Uma abordagem menos afetuosa da tecnologia
É quase impossível escapar do WhatsApp e muito difícil livrar-se do Instagram. Para muitos, é também indesejável. Amigos, parentes, pessoas queridas e toda a presença de muitos comércios só estão disponíveis em um ou outro (ou em ambos).
Em 2022, quando escrevi a respeito da “abordagem mais afetuosa” com a tecnologia, havia pouco tempo voltara a usar essas e outras plataformas comerciais. Baixei as defesas numa tentativa de estar mais presente, de participar mais.
O problema com empresas como a Meta é que toda concessão do nosso lado é explorada ao máximo.
Foi essa a sensação que tive ao ler, no TechCrunch, um novo “recurso” do app do Facebook que acessa as fotos no celular — todas elas, incluindo as que não foram publicadas ou enviadas aos servidores da Meta — para oferecer “ideias criativas” geradas por inteligência artificial.
A mensagem informa que as imagens e vídeos não serão usadas para direcionar publicidade, mas que ao liberar o acesso, a pessoa concorda com os termos das IAs da Meta, que… concedem à Meta o direito de “reter e usar” qualquer informação pessoal para personalizar os resultados da IA e a analisar rostos presentes nas imagens.
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Uns dias antes, não lembro por qual motivo, me dei conta de que o WhatsApp tinha acesso total e contínuo à minha agenda de contatos. O que me alarmou um pouco, porque trato a agenda como uma espécie de diretório de pessoas conhecidas, com datas de aniversário, endereços residenciais e até algumas anotações de pessoas que acabei de conhecer, para referência futura.
Interrompi o acesso do WhatsApp aos meus contatos e agora todo mundo aparece como números de telefone, sem os nomes. Outra regressão é que ficou mais difícil iniciar uma conversa de dentro do app. É… um preço pequeno a se pagar.
Faz diferença? Pouca, porque a maioria (todo mundo?) continua compartilhando suas agendas de contato, um oceano de dados que a Meta cruza, processa e explora. É bem provável que ela consiga recriar a minha agenda agora privada só cruzando dados dos outros e as migalhas dos meus que me escapam.
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Os abusos são técnicos, também. Por algum motivo, os aplicativos da Meta devoram energia. Desde, pelo menos, 2015. Dez anos depois, relatos de problemas do tipo continuam aparecendo. (Instagram e Threads, ambos em maio de 2025.)
Comigo, o WhatsApp drena a bateria do celular. A ponto de eu ter tomado a atitude drástica de cortar todo e qualquer acesso que o app tenha a recursos do sistema. Sem atualizações em segundo plano, sem notificações. (E sem acesso a fotos e, agora, aos contatos também.)
É como se eu tivesse um “aplicativo espião” e tivesse que me blindar dele, já que não tenho a opção de removê-lo.
Na real, não “é como”. Há indícios suficientes para sustentar a teoria de que o WhatsApp (e outros apps da Meta) são hostis.
No início de junho, pesquisadores divulgaram uma falha do Android, explorada por Meta e Yandex, que permitia associar a navegação web no dispositivo à sua identidade.
Não se tratava de um acidente porque o vazamento era intencional. Não poderia ser de outra forma. O esquema é complexo. O ArsTechnica tem uma boa matéria (em inglês) a respeito.
A resposta da Meta quando questionada pela imprensa?
Estamos conversando com o Google para resolver uma possível falha de comunicação em relação à aplicação de suas políticas. Ao tomar conhecimento das preocupações, decidimos pausar o recurso enquanto trabalhamos com o Google para resolver o problema.
O “problema” só existe porque a Meta, deliberadamente, explorou uma falha no sistema Android para coletar dados de navegação/comportamento das pessoas sem o consentimento ou mesmo o conhecimento delas.
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A Meta não é a única. Talvez seja mais mencionada pelo seu tamanho e influência. O Google, tão grande quanto, apenas avisou que vai colocar o Gemini para “usar” alguns apps no Android, incluindo o WhatsApp.
A linguagem vaga, confusa, não especifica como negar esse serviço. Não é preciso entrar no mérito da sua utilidade quando a empresa faz um esforço evidente para turvar a conversa, para dificultar uma eventual negativa. Se é que tal opção existe.
Outro exemplo? A dificuldade para impedir que a IA da Meta seja invocada em conversas no WhatsApp.
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Eu sei que, no frigir dos ovos, pouca gente liga para isso e que ninguém deixará de usar o WhatsApp ou o Instagram em protesto. Nem eu. Neste plano, o individual, se não dá para abdicar desses apps, o que resta é restringir ao máximo o acesso desses apps aos dados.
E lembrar sempre que existem alternativas e que não custa nada tê-las disponível e, sempre que possível, privilegiá-las em detrimento dos spywares da Meta, do Google e de outras big techs.
Eu percebi que o melhor mesmo é ter um celular do pix onde você tem sua agenda e 90% de quem está lá não se importa com metadados mesmo.
A ideia no final é que quem se importa sempre será o mais prejudicado.
Incrível que ninguém nos comentários tenha levantado a bola de que, por trás dessa aporrinhação louca do Trump com o BR nos últimos meses, tem o dedo do Titio Zuck – pelo menos em parte, por conta da resistência com a ideia da regulação das Big Techs, da treta WhatsApp Pay x Pix etc. Pra mim, só isso já seria motivo da gnt se mobilizar contra os apps da Meta. Reconheço que escapar do Zap, por ora, é trabalhoso demais. No caso das outras rederes (Facebook, Instagram e Threads), a maior parte das pessoas inventa desculpas mas, no fim das contas, é mais vício e comportamento do que necessidade – não me parece muito diferente de parar de fumar, as pessoas sabem que aquilo é uma m*rda, mas simplesmente não conseguem desmamar.
No fim das contas, é por essas e outras que acho que a gnt devia investir tempo e energia não só na questão da conscientização, mas tbm na formação de mais e mais pessoas na área de TI, porque o futuro só deve ser diferente se a gnt tiver mais gnt capacitada e com condições de criar novas opções.
Consegui me livrar da Meta (em 70%) e Microsoft (100%). Ainda tenho um smartphone com whatsapp para trabalho, mas meu pessoal não tem mais (Família e Amigos só quem tem Signal), agora a Google não tem como se livrar por causa do Android. Mesmo com a Apple por causa do IOS e MacOS.
Gosto da postura Ghedin , pois, se não começarmos a nos preocupar, quem vai? E trata-se não de quebrar o negócio, mas sim criar limites e respeita-los.
O que vale sempre é esse equilíbrio entre segurança e praticidade. tem uma matéria bem maneira dele tb que relata essa busca por segurança e praticidade.
Essas “soluções” nunca vão a lugar algum.
É tipo querer fugir do Google, evitando Gmail ou YouTube.
O prejuízo ao ficar sem os nomes na sua agenda é muito maior do que dar acesso a ela para o WhatsApp.
E ao contrário do que o usuário falou abaixo, isso não é uso consciente. É apenas neura mesmo.
Caio, existe um TED talk bem interessante do Glenn Greenwald sobre por que a privacidade importa. Recomendo muito: https://www.youtube.com/watch?v=pcSlowAhvUk
Mas em cima dos argumentos dele, eu complemento que o rastreamento de dados não se limita a direcionar propagandas mais certeiras. Essa técnica tem como objetivo deixar o usuário o maior tempo possível online vendo ads e consumindo, além de moldar a realidade das pessoas.
O resultado do Google nos seus dispositivos não é o mesmo apresentado nos meus porque o serviço usa nossos dados pra apresentar informações diferentes que nos deixem mais ‘engajados’. Os vídeos relacionados no YouTube são diferentes pra cada usuário. Todas as feeds e sistemas de recomendações, que basicamente resumem a internet hoje em dia, são moldados de acordo com os dados coletados de cada usuário, e tudo nos é apresentado de maneira convenientemente ‘transparente’, como se nada estivesse acontecendo nos bastidores, ou como se as intenções fossem sempre nobres.
‘Ah, mas você não acha legal que estando em Paris o resultado das suas buscas seja mais direcionado a esse lugar em vez de algo genérico?’. Em alguns casos, sim, mas nem sempre, e eu gostaria de ter uma opção não obscura de contornar essa imposição. Além disso, uma coisa é detectar a cidade onde estou, outra completamente diferente é ter um arsenal quase infinito de informações pessoais a meu respeito, e usar isso pra manipular minha atenção sem a minha autorização.
Além disso, como nossos dados podem ser comprados por basicamente qualquer um (sim!), isso significa que nós como clientes de empresas de plano de saúde ou seguradoras, por exemplo, podemos acabar pagando mais caro porque, pelos dados minerados, podemos potencialmente causar mais prejuízo para essas empresas. Ou, no caso de empresas querendo contratar novos funcionários, simplesmente não nos contratar porque não gostaram de quem somos em nossa intimidade, usando dados não públicos ou compilando dados públicos expostos em diferentes plataformas ao longo do tempo. Imagino que você concorde que nada disso é razoável.
Recomendo 2 outros materiais sobre o tema. O filme ‘The Social Dilemma’ (2020, https://www.imdb.com/title/tt11464826/) e o documentário ‘The Great Hack’ (2019, https://www.imdb.com/title/tt4736550), onde nos são mostrados dados e fatos da manipulação online oriunda da coleta de dados (spoiler: até a democracia é comprometida). Se quiser uma referência de pensador sobre o tema, recomendo procurar material do Tristan Harris, um sujeito extremamente lúcido e articulado.
Eu tenho a intuição que o Caio talvez até já tenha se deparado com esses argumentos por aí, mas queria muito lembrar de algumas coisas menos comentadas.
Às vezes, por vivermos atualmente em uma democracia sem guerras ou grandes embates geopolíticos, esquecemos que as situações mudam. Acho que falamos muito pouco sobre a relação do Facebook com a limpeza étnica ocorrida no Myanmar, por exemplo.
E também dá pra dizer que falamos muito pouco sobre como empresas comuns, governos, etc., contratam empresas de análise de dados, como a Palantir, que usa os dados para o treinamento de IA para o governo de Israel, no extermínio Palestino.
E isso é usado, sei lá, pela C&A, sabe?
A solução da coisa não é individual, mas o incômodo não é neura, é só o reconhecimento do que anda errado com a falta de controle que temos com nossos dados pessoais.
PS: Lembrei da Zuboff:
O YouTube é um caso à parte, mas do Gmail é perfeitamente possível escapar. Usei até ~2017; desde então, zero Gmail na minha vida.
Será? Fora o destacado no texto, que outros prejuízos se tem em vetar o WhatsApp de acessar a agenda de contatos?
e ainda tem a parte boa, nada de Status, haha
Ahhh, é verdade! Agora que você comentou que me dei conta de que não aparecem mais Status/stories. Não tinha ligado as duas coisas até agora, hahaha!
Não sei… Da maneira como penso, ceder os nomes da agenda para a Meta e para o Google é muito mais prejudicial do que o o inconveniente de ter que lidar com o aplicativo de contatos a cada nova conversa. Por outro lado, ceder esses dados é simplesmente mais conveniente do que não fazê-lo.
Ou, dividindo a coisa como o Ghedin divide no texto, há um problema coletivo em ceder esses dados, mas há um problema individual em não cedê-los.
Muito bom texto, Ghedin. Parabéns!
Não me conformo que ninguém tenha feito até agora um app alternativo ao WhatsApp pra Android. No Linux temos algumas opções, graça ao projeto whatsmeow, que faz engenharia reversa do WhatsApp.
Graça ao whatsmeow existe o nchat, que é um aplicativo multiplataforma de terminal que integra o WhatsApp e Telegram — aliás, a única aplicação que vi até hoje que efetivamente integra protocolos (numa lista única de contatos), coisa que os Ferdiums da vida falham miseravelmente. Ainda assim, não sei até que ponto isso garante privacidade, pois, por mais que o whatsmeow não envie os tais metadados das nossas conversas pro servidor da Meta, quem garante que as conversas via protocolo do WhatsApp são realmente criptografadas ponto a ponto, não é mesmo? Da Meta eu não duvido de nada; nada.
Acho que dada a popularidade quase inabalável desses serviços, resta iniciativas como as da União Europeia, de obrigar esses IMs a fornecerem um jeito de se comunicar de maneira agnóstica, ou seja, eu usando o app X tenho que poder também enviar mensagem pra pessoas que usam o app Y. Não sei quando isso vai ser posto em prática.
Ao que parece, o capitalismo requer babás constantemente pra dizer o que não pode fazer e o que precisa fazer. E o diabo é que se oferecem um doce pra babá, ela finge que não está vendo nada. Mas é o melhor que já conseguimos até hoje…
Também utilizo essa solução de WhatsApp em terminal, funciona bem e não consome tanto recurso da máquina.
Se não tem como nos desfazermos do WhatsApp ou do Instagram, nos resta um uso mais consciente e crítico mesmo. O WhatsApp é um aplicativo que uso muito, quanto ao Instagram já pensei em deletá-lo várias vezes.
Ótimo texto.
Eu penso que perdemos o controle do que é nosso para as big techs. A gente paga por um smartphone, mas tem que rodar o sistema operacional do fabricante que, não apenas não quer que você use outra coisa, te trata como refém e te bombardeia de propagandas e te espiona. Para trabalhar, temos que usar um computador com um ambiente fechado, que quer a todo custo te monitorar e analisar seu comportamento. Precisamos falar com pessoas, mas todas estão felizes dentro dos jardins fechados que as big techs criaram.
Todo mundo fica bravo comigo por eu não usar Instagram e Whatsapp. E eu também desisti de tentar explicar às pessoas que isso faz mal para elas e para a própria internet. Sinto que anos atrás, quando ainda se estava em alta a ideia de software livre e redes decentralizadas e os grandes impérios tecnocráticos não estavam estabelecidos a cabeça das pessoas era diferente. Ou talvez seja eu ficando velho e rabugento, não sei mais …
sem whatsapp eu não me comunico com ninguém.
não dá pra forçar o povo a usar signal e, fora da bolha, é whatsapp mesmo.
o texto do Ghedin é ótimo, a gente tem é que diminuir ao máximo o que der no spyware.
mas ficar sem ele hoje em dia é inviável.
Talvez a nossa missão pro resto das nossas vidas agora vai ser “treinar as próximas gerações” pra eles não caírem nas mesmas ciladas que nós (como um todo) caímos.
Há tempos descobri, na verdade um colega meu que desenvolveu, o Chat Direto. Uma ótima ferramenta para iniciar conversas pelo WhatsApp sem precisar colocar o número na agenda pessoal.
Muitas vezes a gente vai conversar com uma loja, ou prestador de serviço e não precisa ou quer ele na agenda. Eu também tenho um cuidado especial com esse repositório de informações de conhecidos e amigos e não gosto muito de encher de números de telefone de pessoas ou estabelecimentos que não merecem esse status.
Não sei no Android mas no iOS é só você digitar o número (com ddd) e enviar num chat (com você mesmo por exemplo) e depois tocar no número/link que já abre uma caixa pra ir pro chat com o número em questão.
Eu mando num chat comigo mesmo já com o nome da pessoa, assim fica guardado pra referência e não preciso salvar.
Não tenho essa conversa comigo mesmo nó WhatsApp, faço isso no Telegram que existe a manis tempo e quando inventaram no WhatsApp eu nem aprendi a usar. 😅
Parece prático, mas como não tenho a conversa e o site funciona bem, já está no meu caminho de mente.
antes eu fazia o seguinte: numa conversa comigo digitava: wa.me/5511987654321, os dois primeiros são o DDI, os dois seguintes o DDD e os demais o telefone, depois da mensagem enviada, só clicar no link que ia pra uma conversa com a pessoa. Agora uso o aplicativo ChatLaunch e coloco na barra de ferramenta, clico nele digito o DDD e o número e ele abre uma conversa com a pessoa, bem prático.
No iOS, na área das conversas, basta clicar no sinal de +, e na barra de pesquisa escrever o número com DDD. Se esse número tiver conta ativa no Whatsapp, vai aparecer um botão para conversar, sem a necessidade de salvar nos contatos, e sem necessidade de qualquer outro recurso.