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“Demetricando” a web

Em 2012, o artista Ben Grosser lançou uma extensão de navegador chamada Facebook Demetricator. Ao ser instalada, ela ocultava todas as métricas da interface do Facebook: número de curtidas, comentários, notificações, mensagens não lidas etc.

“O que aconteceu aqui é que esses números de conexão social brincam com o nosso desejo interno (inspirado pelo capitalismo) por mais”, justificou-se.

Ao criar sua extensão, Ben questionou a razão de tantos números “em um sistema (e por uma empresa) que depende do trabalho gratuito contínuo do usuário para produzir a informação que preenche seus bancos de dados”.

Isso tudo em 2012!

Mais de uma década depois, sinto que não internalizamos as descobertas à frente do tempo feitas por Ben. Mesmo alternativas que se posicionam como opostas às práticas abusivas de plataformas comerciais como o Facebook, casos de Bluesky e Mastodon, insistem em interfaces recheadas de números. Parece até que perdemos a capacidade de imaginarmos outros modelos de interações digitais.

O que é bem ruim. Talvez por estarem tão naturalizados, não percebemos a pressão dos números em nós. Ou, pelo menos, eu havia perdido de vista as pequenas angústias cotidianas que as métricas no digital exercem em mim. (Falei um pouco disso no último episódio do podcast.)

Também acabamos esquecendo das vantagens das interações livres de métricas. De publicar algo apenas porque achamos legal, útil ou bonito, independentemente da repercussão, ou da parte da repercussão que se faz mais visível na forma de… números.

Neste Manual, onde tenho o controle absoluto da ~experiência, é fácil combater a “ditadura da metrificação”. Os únicos visíveis ao acessar o blog são o total de comentários por post e os votos em conversas do Órbita. Eu tiraria até esses, mas acho que eles têm funções utilitárias que superam as vaidosas. (Se alguém pode ser seduzido por esses números, acho que sou… só eu?)

Em outras cercanias da boa e velha web, as batalhas são mais difíceis.

Nesse sentido, o Mastodon1 é a única das grandes plataformas que não esfrega números no rosto das pessoas. As linhas do tempo (ou “feeds”) não mostram as quantidades de curtidas e impulsionamentos, apenas quantos comentários um post recebeu. O que, a julgar pelo desenho do Manual, acho um bom arranjo.

Nas outras plataformas que ainda frequento, Bluesky e LinkedIn, precisei recorrer a uma extensão que me permite editar a apresentação das páginas de um domínio. Usei a Userscripts. No Firefox e Chrome (e derivados), indico a Stylebot.

Extensões desse tipo permitem alterar (ou vandalizar) páginas de sites específicos injetando regras de CSS, uma linguagem simples de formatação de páginas web, e JavaScript, linguagem dinâmica capaz de executar um sem número de eventos no navegador web.

Eu só entendo bem de CSS, que tem possibilidades mais limitadas, mas foi suficiente para eliminar todos os números (ou os mais visíveis) do Bluesky e do LinkedIn.

No LinkedIn foi mais fácil porque os elementos do CSS usam nomes de classes fixos. É só encontrá-los no código-fonte, usando inspetor de elementos do próprio navegador, e declará-las com uma formatação específica nas configurações da extensão.

Por exemplo, o campo de cada postagem que exibe o total de curtidas, comentários e compartilhamentos é “envelopado” por uma div com a classe .social-details-social-counts:

Print do LinkedIn, com o inspetor de elementos do Safari aberto, identificando a classe CSS da linha de métricas de um post.
É fácil! 🥲 Imagem: Manual do Usuário.

Sabendo disso, abri a extensão Userstyles/Stylebot e fiz a seguinte declaração incidindo no domínio do LinkedIn (usando a expressão *://*.linkedin.com/*):

.social-details-social-counts {
  display: none !important;
}

Ao recarregar o site do LinkedIn, os números sumiram! CSS é mágico ✨ Veja a diferença:

Print do feed do LinkedIn, com posts sem quaisquer números (curtidas, compartilhamentos e comentários).
Imagem: Manual do Usuário.

Gastei um tempo coletando as classes de tudo que queria ocultar na interface do LinkedIn e terminei com um visual bem mais agradável, sem números e sem a mendicância da Microsoft para eu comprar anúncios na plataforma.

O Bluesky, por outro lado, usa nomes de classes CSS dinâmicos. Deve ter a ver com algum jeito moderno de criar aplicações web, como React, que não compreendo. A Meta (que criou o React) usa do mesmo expediente no Facebook, só que lá existe outro incentivo, o de neutralizar a ação de bloqueadores de anúncios.

Achei um código aleatório no Github que recorre a outro elemento do React, o data-testid, como gancho para ocultar os números da interface do Bluesky. E… funcionou!

A edição de sites com o uso dessas extensões é um bom remédio contra algumas das piores doenças da web moderna. Para ficar em um exemplo nada a ver com a ocultação de números, tenho uma configuração para o site da Folha de S.Paulo que remove o cabeçalho que fica aparecendo ao rolar a página, os comentários e alguns anúncios mais chatos.

Menos números, menos animações, menos mudanças frenéticas e elementos que distraem ou incomodam. Muito disso é alcançável com gambiarras como as que mostrei aqui e opções de acessibilidade. É ótimo que essas saídas existam, mas o melhor seria se interfaces mais calmas, menos estimulantes, fossem a norma. Deixemos as fortes emoções para outras situações — de preferência, que não envolvam telas.

Ah, se quiser usar os meus estilos, pegue-os neste repositório. Sugestões de melhorias são bem-vindas!

  1. Talvez não por coincidência, o Mastodon é a menor das grandes plataformas.

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5 comentários

  1. “Gastei um tempo coletando as classes de tudo que queria ocultar na interface do LinkedIn” – o que eu queria mesmo ocultar na interface do LinkedIn são os textos, sempre querendo tirar lições profundas de cada evento banal da atualidade. Brincadeiras à parte, essa configuração da Folha funciona tanto no desktop quanto no celular? Eu acho um porre que toda vez que você abre o site tem que fechar a janela de cookies, a oferecendo o app e a oferta de assinatura – essa com um “x” cada vez mais escondido. A configuração acaba só com a janela da oferta de assinatura? Ou tudo?

    Queria que fizessem uma pesquisa mostrando o quanto de leitores os jornais perdem com essa poluição toda. Outro dia estava lendo uma matéria da agência Mural, por exemplo, e eles deixam um botão de acessibilidade que, mesmo se você fecha, continua lá, visível, no meio do texto, atrapalhando a leitura. A princípio opções como o quase finado Pocket resolveriam, mas nesse caso era uma matéria cheia de gráficos, que perderia todo esse conteúdo no modo leitura.

  2. Tenho feito também alguns esforços pra reestruturar pelo menos a minha experiência, mas a palavra é meio essa mesmo, esforço.

    Refiz meu site pensando em passar a usar pra mais coisas além de guardar fotos, também tenho usado técnicas simples pra omitir coisas em páginas, estou remontando meu feed rss e tentando me soltar de “conteúdo” recomendado e passar a acompanhar o escolhi seguir ou assinar, mas em dias de cansaço é difícil. E eu sei bem que isso só piora o cansaço.

    Esses dias me deparei com um “desafio” no trabalho, uma marca queria fazer parcerias com pessoas “normais” no TikTok, não queria saber de “creator”. A minha conclusão foi de que o formato da plataforma simplesmente não permite. Os números, a forma de entrega, simplesmente não tem como. Gente “normal” é a pessoa que só interage o mínimo, no máximo faz comentário. Se fez vídeo ali, virou no mínimo aspirante a creator. Se fizer parceria, aí não tem nem como dizer que é outra coisa.

    Fazer conteúdo pra si, no máximo amigos ou alguns poucos interessados é coisa de quem se esforça pra sair do mecânismo-padrão. Se saiu, não vai ter como contar. Se acostumar com isso parece trazer algum tipo de isolamento ou algo do tipo que não sei bem nomear.

    1. TikTok realmente não tem esse perfil de usuário casual. É muito menos uma “rede social”, naquele sentido clássico, e mais uma plataforma de vídeos curtos.

      Se acostumar com isso parece trazer algum tipo de isolamento ou algo do tipo que não sei bem nomear.

      Sei como é ☹️

      1. Até como plataforma de vídeos não acho que se encaixa. Tem gente fazendo do YouTube um histórico pessoal, até por motivos de ser espaço de nuvem “gratuito”, no TikTok não tem inocente com aquele algoritmo.

        “Plataforma de distribuição de vídeo”? Não sei.

  3. Gosto demais do trabalho do Ben Grosser, uso Minus, rede em que temos 100 posts a fazer “na vida”, como a própria rede feita por ele se denomina.
    Grosser, inclusive, produziu documentários (Order of magnitude, 2019; e Deficit of less, 2021), em que fez super cortes de entrevistas de Zuckerberg falando apenas de números e termos como “mais, milhões e bilhões”, em relação aos produtos da Meta/Facebook.
    Como o Antônio Neto comentou, precisamos entender que antes das redes “sociais”, não estávamos presos a esse excesso de números e informações, de respostas rápidas e emoções voláteis, e que esse excesso, literalmente, está nos desgastando.
    Minus é uma experiência bem interessante (ao menos para mim): primeiro porque você precisa pensar bem em como “gastar” esses 100 posts com algo interessante. Outro ponto é que não tem a opção de “curtir” o post, você pode comentar, e não tem como postar fotos, só até, salvo engano, 4 links por post.
    Por fim, você também não tem aquele desespero de notificações, de ficar conectada sempre nessa plataforma e, cara, os posts são bem interessantes: a maioria é desabafos (não tem seguidores, ou seja, postou todo mundo leu), poemas e claro, tem gente que “torra” os 100 posts com frases do tipo “faltam 99 posts, faltam 98 posts…”.
    É sobre a internet trabalhar por nós, não o contrário.
    Excelente texto, Rodrigo!

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