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Revisitando o Facebook

Em março deste ano, num raro momento de sobriedade da droga “inteligência artificial”, um reformulado Mark Zuckerberg — correntona de ouro no pescoço, cabeleira rebelde — prometeu que o Facebook, ou uma parte dele, voltaria a tempos mais simples, quando a rede social era… bem, uma rede social. Uma época inocente, em que o próprio parecia um boneco de cera e não um dublê de rapper.

Tratava-se do anúncio de uma nova aba em destaque no Facebook, chamada “Amigos”, criada para filtrar as atualizações de “amigos” (o eufemismo da Meta para contatos no Facebook). Seria, nas palavras de Zuckerberg, um “retorno ao Facebook original”.

Criei a minha primeira conta no Facebook quando o site ainda exigia endereço de e-mail vinculado a uma universidade, conta essa que excluí em 2018. Uns anos mais tarde, quando criei a segunda, o Facebook estava quase irreconhecível, transformado por uma amálgama de funcionalidades temperada com um algoritmo de recomendações maluco.

Fiquei intrigado com a novidade — apesar de até hoje não ter recebido a tal nova aba — e, por causa dela, voltei a acessar o Facebook com frequência. Esse mergulho em águas digitais insalubres foi motivado por uma curiosidade genuína. Se o próprio Zuckerberg admite que o Facebook é muito mais que um site (ou app) para conectar pessoas, porque “ver as atualizações de status dos amigos” tornou-se coisa do “Facebook original”, fica a pergunta: o que é o Facebook hoje?

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É difícil definir o Facebook. A aba lateral, com 20 opções, é uma espécie daqueles blocos de gelo desencavados do Pólo Norte, cada item representando uma camada/era geológica já esquecida. Há resquícios da mudança radical para o vídeo de meados dos anos 2010, aquela que gerou uma quebradeira em jornais digitais; a área de jogos que turbinou o ingresso das pessoas na rede no final dos anos 2000 (lembra do FarmVille?); os grupos que, em 2017–2018, parecia a única coisa que havia sobrado ali; e, claro, a Meta AI, a face da nova obsessão do Zuck descolado, a inteligência artificial generativa. (Ausência notável: o famigerado metaverso, que dá nome à empresa dona do Facebook.)

No centro da tela do computador (eu jamais instalaria o app do Facebook em um celular meu) está o feed de notícias. Quase sem “notícias”, porque isso saiu de moda, mas com um cardápio variado de conteúdos sem contexto, apelativos, criações de IA, posts patrocinados, golpes patrocinados, algumas pessoas perdidas que seguem por ali como se estivéssemos em 2010. E maluquices incompreensíveis: nesse meu retorno, por exemplo, o algoritmo cismou em me sugerir grupos de “solteironas” e “coroas carentes” e anúncios de palestras de um empreendedor que caiu em desgraça (configura golpe?). Nem se minha vida dependesse disso eu teria uma explicação do porquê das sugestões.

A essa altura, é provável que entupir o feed de notícias com conteúdo questionável seja uma necessidade, mais que uma opção.

Na barra lateral tem um item chamado “Feeds”. São filtros para tipos de conteúdo: de amigos, páginas e grupos, exibidos em ordem cronológica inversa. Isso sim é inovação! Passei a acessar esses feeds quando os descobri, pois são finitos e com conteúdo restrito ao que escolhi seguir e dos meus “amigos”. Com 163 “amigos” e seguindo um punhado de páginas, consigo dar cabo de todas as novidades em poucos minutos, e nem é preciso acessar os feeds todos os dias.

Dito isso, a minha limitada amostragem passa a impressão de que as pessoas não postam mais no Facebook. As que postam não divulgam muito da própria vida. A sensação é de que aquilo virou uma cidade fantasma, onde os fantasmas são “lembranças” (de um tempo em que o Facebook tinha um papel mais relevante na vida), posts de “fatos curiosos” gerados por IA, piadas de tiozão recicladas de quando a internet era movida a manivela e notícias apelativas ou falsas mesmo. E anúncios de golpes. Muitos golpes. É quase a mesma experiência de perambular em um ponto turístico vestindo shorts e tênis, com aqueles trejeitos que misturam deslumbre e incerteza e que denunciam alguém que não é dali. Surpreendi-me com a quantidade de golpes patrocinados, conteúdo criminoso que a Meta promove em troca de dinheiro.

***

Há (um pouco de) vida em lugares específicos. Os classificados, o “marketplace” do Facebook, é um deles. Vendi um cacareco que estava sem uso em casa, na base da confiança. Correu tudo bem. Pelo visto, dei sorte na minha inocência, porque depois de comentar o negócio que fiz muita gente me alertou do risco de golpes na plataforma.

Os stories e reels são outro, embora desconfie de que só estão ali porque as pessoas não ligam ou não se atentam à publicação cruzada com o Instagram. Essa duplicidade cria uma sensação de que o Facebook é uma interface azul para o Instagram — que, por sua vez, também está abarrotado de recursos e costumo chamar de “Facebook de millennial”. Instagram que, a propósito, acho que as pessoas só seguem usando porque se contentam com pouco, literalmente: aqueles 2/10 de tela na parte superior — os stories —, onde ainda dá para ver fotos e vídeos de pessoas normais em meio a um volume não sufocante de anúncios e promoção barata.

O “Facebook original” que o Zuck queria ressuscitar é uma impossibilidade porque implica abrir mão de obrigações que, lá atrás, inexistiam, e que hoje são incompatíveis com o tamanho, a ganância e e os rabos presos da Meta. Cidade fantasma? Corrijo-me. O Facebook lembra mais uma cidade decadente, cheia de perigos (golpes) a cada esquina e onde, no fim do dia, o dinheiro manda.

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23 comentários

  1. O Facebook hoje pra mim se resume aos grupos e publicações de páginas que contém notícias, sejam essas de esporte, cotidiano ou cultura. Só isso e mais nada.

  2. Que coisa… Usei o facebook recentemente pra avisar grupos de animais perdidos e feridos. Esses grupos estavam bem ativos. Minha postagem teve um alcance que me surpreendeu. Também observamos, isso mais na firma mesmo, que facebook atinge um púbico mais velho… Fora isso, o lugar parece mesmo abandonado…

    1. Ah… tambem usei o facebook pra achar pessoas vendendo carros em miniatura aqui perto de mim e deu certo. E minha esposa usa pra troca de figurinhas de álbum. Esse aí é tudo na base da confiança… E tem funcionado pra ela (apesar dela se deparar, às vezes, com ofertas suspeitas).

  3. Outra coisa: onde é possível fazer listas, abuso delas em vez de seguir pessoas. Tem tudo: direita, esquerda, centro, conspirações, filosofia, arte, bicho, gaza, Ucrânia, etc. O céu é o limite… Ah, e se passar de 20 membros, criou uma segunda…

  4. E já se passaram cinco anos desde que excluí minha conta. Não sinto falta nenhuma.

  5. Faço hoje um uso esporádico do Facebook que, com enfoque nos grupos de discussão, entro nesses espaços apenas para autopromover minhas páginas e grupos; aplico pragmatismo ao vender meu peixe num site que é totalmente flopado(?) quando o assunto é a interação para mim. Não me vejo mais perdendo tanto tempo no Facebook como fazia no passado, 2012/2013. O Ghedin citou motivos claros nesse texto, que reduzem significativamente meu interesse em usar a tal plataforma do “Zuck”

    1. Gosto bastante ainda dos grupos, tem diversos grupos femininos muito bons, grupos de pessoas que possuem Nitro 5 e compartilham configurações, os grupos de Aluguel que tem bons anúncios de pessoas mais idosas que não usam OLX… enfim, só ainda fico no Facebook pelos grupos.

  6. Tenho uma “conta fantasma” de Facebook, usada apenas para uma finalidade: usar grupos que não existem em outros lugares, de um assunto específico (genealogia). Não tenho nenhum “amigo” lá. Se esses grupos estivessem organizados em outro lugar, eu estaria nesse outro lugar. Estou livre de todo o resto da porcariada que roda por ali tem mais de 5 anos e vivo muito melhor desde então.

  7. Imaginei o Ghedin chegando a cavalo numa daquelas cidades do velho oeste americano de filme dos anos 1960.

    Armado com ublock origin e navegação anônima. E VPN por baixo da jaqueta de couro.

    A poeira rolando no vento. As janelas meio quebradas e fechadas. Ninguém na rua.

    Entra no saloon. Um sujeito desdentado oferece a ele um tour pela cidade por 50 dólares. Na recusa, o sujeito fiz que ele vai se arrepender. E ri descontroladamente.

    (História colaborativa. Quem quiser, ajude a continuar…)

    1. O Ghedin olha em volta e percebe que o saloon está cheio, mas ninguém parece de fato presente. São vultos imóveis, repetindo os mesmos gestos, como se estivessem presos em um loop infinito — levantando copos, sorrindo sem dentes, acenando para ninguém. Ele percebe: cada mesa é uma memória congelada, cada rosto é um perfil esquecido. O tempo ali não passa, só se repete.

      Ele sobe no balcão, tira da jaqueta um pergaminho que mais parece um feed antigo e o desenrola com cuidado. As postagens aparecem empoeiradas, cheias de frases motivacionais de 2012, fotos de churrasco com filtros sépia e check-ins em lugares que já não existem. É como vasculhar um cemitério digital, onde as risadas de ontem ecoam como fantasmas pixelados.

      Do fundo do saloon, surge uma figura com olhar perdido, a cara marcada pelo excesso de quizzes de “qual personagem de Friends você seria?”. A figura se aproxima lentamente, arrastando as palavras:
      — Você voltou… ninguém nunca volta.

      1. Nesse exato momento, pela porta de vai-e-vem do saloon, entra um grupo animado de solteironas de boa aparência. Para desespero, de Kid Guedin – elas são “em tempo real”…

      2. São vultos imóveis, repetindo os mesmos gestos, como se estivessem presos em um loop infinito — levantando copos, sorrindo sem dentes, acenando para ninguém. Ele percebe: cada mesa é uma memória congelada, cada rosto é um perfil esquecido. O tempo ali não passa, só se repete.

        o feicebuque é basicamente a expressão contemporânea d´A invenção de Morel

  8. Fiz o download dos dados e desativei a conta faz uns meses. O negócio é tão irrelevante que minha esposa levou semanas para notar que eu já não estava lá… Ontem foi um amigo que me chamou pelo mesmo motivo, evidenciando como aquilo ali é artificialmente populado.

    Instagram eu só uso pela versão Lite, mas mesmo assim ainda recebo muito conteúdo que não sigo… Está indo pelo mesmo caminho e provavelmente vou abandonar até o fim do ano.

    1. Isso foi uma coisa que eu reparei bastante quando desativei meu Instagram há ~2 anos atrás.
      Algumas pessoas razoavelmente próximas, com quem eu converso pelo Zap, levaram mais de um ano pra reparar que eu não estava mais.
      A rede é tão abarrotada de conteúdo patrocinado, artificial, etc., que você esquece totalmente das pessoas de verdade que conhece.

  9. Voltei ao Facebook por curiosidade, depois de muito tempo sem entrar, e também fui bombardeada por grupos e páginas sugerindo que eu estivesse buscando um namoro, mesmo sem ter pesquisado nada a respeito (eu estou namorando há pouco mais de um ano, mas nem coloquei nada no Face, porque estava totalmente abandonado, kkkkkk).

    Será que esse conteúdo é sugerido por padrão, devido ao status de relacionamento que está atrelado ao perfil? Será que essas recomendações sem noção aparecem pra todo mundo que consta como “solteiro” na rede? Kkkkkkkk

    1. Aconteceu comigo tb quando entrei outro dia. Como eu já estou com 67 anos, não sei se o FB me oferecia namoradas ou acompanhantes. Ou se era alguma promoção “pague um e leve dois”.
      Meu macete com todas as redes é o seguinte: mantenho a inscrição e bookmarco os perfis q me interessam, sem jamais seguir ninguém.
      Tem funcionado.

      1. Vou testar isso! Essa semana tb tô tentando usar o feed “Seguindo” do Instagram e do Twitter, para ver se passo menos tempo nas plataformas (espero que funcione)

        1. Outra coisa: onde é possível fazer listas, abuso delas em vez de seguir pessoas. Tem tudo: direita, esquerda, centro, conspirações, filosofia, arte, bicho, gaza, Ucrânia, etc. O céu é o limite… Ah, e se passar de 20 membros, criou uma segunda…

          1. Só sigo mesmo quem me segue por uma questão de cortesia. Ou quem escreveu algo tão genial sendo anônimo que merece a homenagem de ser seguido.

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